domingo, novembro 17, 2013

Cotas, ações afirmativas e o racismo no Brasil

O Brasil é um país racista que gosta de fingir que não é racista. A discriminação pela cor de pele acontece dia a dia em pequenas ações, muitas vezes involuntárias e automáticas, e que causam grande danos. Como resolver esse problema? Antes vamos analisar alguns dados.

Os excluídos


O Brasil ainda é um país pobre. O grupo de pessoas que chamamos de classe D e E tem as mesmas dificuldades de entrar em uma faculdade ou passar em um concurso, pois não têm acesso a uma educação de qualidade, independente da cor da pele. A dificuldade em passar em um concurso público ou entrar para uma faculdade não tem nada a ver com a cor de pele, e sim com o poder aquisitivo da pessoa, visto que ao contrário dos Estados Unidos onde uma das etapas do processo de admissão a uma universidade inclui entrevista presencial, no Brasil há apenas provas e testes que não incluem apresentação da própria imagem. O que ocorre é que infelizmente hoje a grande maioria da classe D e E constitui de pessoas de pele escura.

Os privilegiados


Em outra vertente, as classes A e B são majoritariamente ocupadas por pessoas de pele clara com uma minoria de pele escura. Essas pessoas, independente da cor da pele, têm acesso a uma educação de qualidade devido a seu poder aquisitivo, e portanto têm mais chances de entrar em uma faculdade ou passar em algum concurso.

Cotas por cor de pele


Por que então uma pessoa com cor de pele escura teria mais dificuldade de entrar em uma universidade que uma pessoa de pele clara, mesmo tendo o mesmo nível social-financeiro? O fato é que não teria. Como as provas e testes do Brasil para faculdades e concursos são impessoais, elas exigem apenas do intelecto e do estudo da pessoa. E a cor de pele em nada interfere nesses assuntos. Se houvesse alguma forma de entrevista ou necessidade de apresentaçao pessoal para o acesso, aí sim poderia haver alguma negativa por causa do racismo. Que é o caso dos Estados Unidos, e porque justifica-se cotas racistas neste país.

Ação afirmativa e reação negativa


É bom lembrar também que toda ação afirmativa causa uma ação negativa. No caso de cotas para pessoas de pele escura, a negativa é dificultar alguém de pele de cor clara de entrar em uma faculdade ou passar em um concurso. Dado que dentro da classe D e E existe uma minoria de pele clara, essa minoria fica praticamente excluída do mercado pois possui as mesmas dificuldades em relação a educação de qualidade que os benefíciarios da ação afirmativa, mas sem receber esse benefício.

Privilégio dos privilégios


E como foi dito anteriormente, a cota para pessoas de cor de pele escura acaba por dar um privilégio a mais a quem não necessita do benefício. Que é o caso de uma minoria que alcançaram as classes A e B. Perceba que com cotas por cor de pele os filhos do Edson Arantes, do Joaquim Barbosa e do Gilberto Gil não só tem acesso a uma educação de qualidade por possuirem uma condição financeira favorável, como têm direito a cotas.

Cotas sociais


As cotas sociais resolvem a questão da diversidade pois ela oferece os benefícios às classes D e E, onde as pessoas de pele escura são a grande maioria. A diferença é que ela causa uma reação menos danosa que as cotas por cor de pele. No caso a reação negativa das cotas sociais é uma maior dificuldade para que os membros das classes A e B consigam vagas, independente da cor da pele. No entanto, como eles já possuem acesso a uma educação de qualidade, a disputa fica mais igualitária. Ou seja, a reação negativa é bem menos danosa, e ainda resolve o problema da diversidade.

E a quem interessa as cotas racistas?


Dado que as cotas sociais são um instrumento muito mais correto para solução do problema, porque as cotas racistas continuam sendo impostas? Basicamente há três grupos defendendo esse tipo de solução:

  • O bem intensionado: Ele quer a justiça social e a diversidade. Mas nunca pensou muito a respeito. O fato é que é muito mais dificil explicar como a cota social resolve o problema do que explicar como a cota racista resolve. Além do que costuma-se taxar de racista aqueles que são contra a cota por cor de pele.

  • O ativista: Este luta por uma boa causa a bastante tempo seguindo exemplo de países onde a cota por cor de pele teoricamente deu certo. No entanto ao ser apresentado a uma alternativa melhor e mais correta em relação ao contexto brasileiro, como a cota social, prefere ignorá-la a se confessar errado por tanto tempo.

  • O líder oportunista: Dividir o povo em grupos e subgrupos é uma estratégia política antiga. Se você consegue colocar um grupo X contra o Y, você consegue se tornar facilmente o líder de um desses grupos. E com isso muitos votos para sua campanha política ou doações para sua ONG.

Conclusão


Díficilmente as cotas sociais sobreporão as cotas racistas, mesmo elas sendo mais justas e trazendo uma solução mais duradoura para a questão do racismo no Brasil. Isso porque as cotas sociais são mais díficeis de explicar, precisam de um post imenso como este, além de contrariar o interesse político de muitos líderes já no poder. Mas como diria Martin Luther King "Eu tenho um sonho...".

sexta-feira, junho 21, 2013

Falta democracia

Na década de 80 o Brasil foi às ruas para lutar pelo direito de votar diretamente para cargos majoritários. Foi o que chamamos de Diretas Já. Antes disso não nos considerávamos em uma democracia pois os cargos majoritários eram escolhidos indiretamente por um colégio eleitoral. Desde então nosso país melhorou muito, e sem dúvida pode-se atribuir muito dessa melhora a este direito, que nos permite avaliar e escolher qual melhor prefeito, governador e presidente.

Mas por que então os brasileiros ainda não se consideram bem representados? A explicação é simples: Embora possamos escolher os representantes dos cargos executivos, o poder legislativo está totalmente alheio a nossa vontade. Nós apenas temos a ilusão de que isso acontece, como pode ser comprovado ao verificar que apenas 35 dos 512 deputados federais foram realmente eleitos com o voto do povo.

A culpa é do voto proporcional, que dá o voto não ao candidado, e sim ao partido ou coligação. Essa por sua vez, dada a proporção de votos ganha direito a vagas no congresso e tem o direito de escolher os deputados. Ou seja. Não votamos diretamente nos deputados. Há uma minoria de líderes partidários que fazem isso, tal qual funcionava o colégio eleitoral.

Se antes do voto direto em cargos majoritários não nos considerávamos uma democracia, como é que agora sem voto direto em cargos do legislativo nós nos consideramos uma?

terça-feira, abril 23, 2013

Casamento entre pessoas do mesmo sexo


Nesta ultima semana participei de uma grande discussão sobre um assunto polêmico no Brasil: O casamento de casais homossexuais. O debate foi longo e acalorado, e nestes tempos de Feliciano e Malafaia, nada mais justo que dividir esse debate com vocês.

O uso da palavra casamento

No inicio da discussão todos concordavam que os homossexuais deveriam ter os mesmos direitos que os heteros, e que segregar seria tão ruim. No entando um dos participantes, evangélico, argumentou que não achava certo o uso da palavra "casamento", pois segundo ele era uma palavra bíblica. No entanto, o Brasil é um estado laico, e ainda por cima ficou claro que a palavra casamento não é exclusiva da biblia. Portanto o argumento deixou de ser válido. A partir desse momento o discurso dele mudou.

Sobre o estado laico

Antes de seguir em frente é interessante explicarmos a importância de um estado laico. Principalmente para o cristão que esteja lendo esse texto. Imagine se o estado não fosse laico, mas fosse de outra religião, digamos mulçumana. Imagine então se proibissem que os cristãos casassem. Ou então, como ocorre no Irã, imagina se proibissem todas as mulheres de andarem na rua sem burca. Normalmente o cristão que defende que sua crença seja imposta por lei de estado não faz isso por mal, apenas não reflete que talvez a sua crença possa causar sofrimento ao restante da população.

Além disso, os demais cristãos incluídos na discussão lembraram que a bíblia corrobora a tese de estado laico, e que os cristãos não devem impor suas leis às leis dele, citando as seguintes passagens bíblicas:

"O meu reino não é deste mundo" - João 18:36
"Dai pois a César o que é de César" - Mateus 22:21

Direitos iguais

Após o uso da palavra casamento ser garantida como de dominio público, o nosso conhecido evangélico iniciou uma questão dizendo que não era necessário garantir mais direito algum pois todos os direitos de casais homossexuais já eram garantidos. Sem dúvida muitos direitos são, mas foi provado que ainda faltam muitos como pode ser visto aqui.

Alguns desses direitos são excenciais para evitar sofrimento desnecessário: Como não ter direito a herança, não ter garantida a permanência no lar quando o parceiro morre, não poder autorizar cirurgia de risco e não serem reconhecidos como entidade familiar. Basicamente, os outros debatedores, inclusive alguns evangélicos e católicos, não conseguiram entender como os que são contra não sintam empatia frente a esse sofrimento.

Ditadura da maioria

Uma discussão que veio à tona foi se a democracia é um sistema justo ou não. Em minha opinião é o sistema menos ruim que tivemos até hoje, mas fica claro que a democracia pode gerar muitas injustiças. Em uma democracia pura, 51% da população pode causar danos a 49% da população. E é nesse contexto que deve-se pensar que vivemos em um sistema em que cabe a cada um a responsabilidade de não causar sofrimento aos outros só por serem diferentes. Se houvesse um plebiscito sobre o casamento de homossexuais você votaria a favor ou contra? E se houvesse um plebiscido sobre o casamento de cristãos, e no Brasil houvesse uma maioria não cristã? Cada indíviduo deve pensar se o direito que se está proibindo causa algum dano a terceiros. Caso contrário, a pessoa tem a responsabilidade de defender o direito dessa minoria.

Do direito de adoção

Após certo tempo, todos concordaram que os casais homossexuais deveriam ter os mesmos direitos que os casais heterossexuais. Somente um desses direitos foi contestado pelo mesmo debatedor evangélico: o direito de adoção. Ele apresentou então dois argumentos: O de que casais homossexuais não poderiam prover uma boa educação pela falta de uma figura materna ou paterna, e o fato de que era impossivel na natureza dois seres do humanos do mesmo sexo terem um filho, e portanto deveria ser proibido.

Impossibilidade biológica

A impossibilidade biológica de casais homossexuais logo foi descartada como argumento contra adoção, pois isso implicaria em proibir também outros casais naturalmente estéreis de adotarem. Por exemplo casais de idosos e casais com alguma problema de saúde. O debatedor contra o casamento de homossexuais, argumentou que não havia problema em adoção caso o casal fosse estéril por algum problema de saúde, no entanto isso ainda deixaria a margem os casais de idosos, que naturalmente a partir de uma idade param de ser férteis. Mesmo assim ele ainda se mostrou a favor da adoção por parte desses casais, criando uma contradição neste argumento.

Figura paterna e materna

A discussão sobre figura paterna e materna foi longa, e a grande dificuldade era que muitos defendiam que a figura paterna não necessariamente precisava ser representada por um homem e a figura materna por uma mulher. Como exemplo temos os casos de pais solteiros e viúvos. Enquanto que para o que era contra o casamento de homossexuais, a representação da figura dependia basicamente das genitálias. E chegou-se então ao caso das crianças em orfanatos. O que é melhor para uma criança, ficar no orfanato ou ser adotada por um casal homossexual? Essa foi uma resposta que nosso debatedor fugiu de dar.

Orfãos e orfanatos

Inicialmente ele apresentou alternativas para a questão dos orfãos: Educação decente pra todos, igualdade social, incentivos a adoção. Todos concordaram que essas alternativas melhorariam a questão dos orfãos, mas não resolveria. Foi mostrado algumas estatísticas sobre orfãos no mundo, mostrando que mesmo em países que têm uma política melhor para este assunto, ainda há muitos orfãos vivendo sem figura paterna e materna.

Neste quadro, o nosso debatedor não quis responder se preferia que as crianças continuassem sem família, ou se fossem adotadas por casais homossexuais. Provavelmente porque se escolhesse a primeira alternativa se veria como uma pessoa insensivel e egoísta, e se escolhe a segunda estaria se voltando contra a própria religião.

Figura paterna e materna, outra visão

Somado a isso foi apresentado a dissertação de mestrado "PARENTALIDADES “IMPENSÁVEIS”: PAIS/MÃES HOMOSSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS" que parte de uma série de entrevistas com homossexuais, e divaga sobre a psicanálise, história humana, e resultados práticos. Na conclusão ele deixa bem claro o paradoxo que sobra a quem defende que figura materna e paterna devem ser excencialmente masculinos e femininos. Alguns dos trechos:

"(...) Quando perguntadas (aos casais homossexuais) sobre as preferências por sexo ou raça das crianças, elas tendem a responder que “tanto faz”. (...), inclusive, que nem iriam se importar se a criança não fosse “perfeitinha”, aceitariam e criariam com muito amor a criança (...)"

"Mesmo assim, é importante salientar que as crianças não fazem confusão sobre o gênero dos pais (...) e não são prejudicadas, em termos do aprendizado das diferenças sexuais dos pais, pelo fato de serem criadas em famílias homoparentais."

"(...) O fato de ser criada por dois homens não implica que a criança crescerá sem referências femininas no seu cotidiano familiar (...) Contam para isso com empregada, mãe, irmãs e até amigas para auxiliar no cuidado com os filhos."

Conclusão

O único argumento que de fato seria válido para proibir os casais homossexuais de se casarem, era a questão da adoção, pois envolve uma criança, uma terceira pessoa que o estado precisa zelar. No entanto o argumento foi invalidado pois mesmo se a educação provida por um casal desta natureza não fosse tão boa quanto a de um casal heterossexual, ainda assim seria melhor que deixá-la abandonada. Contudo, observou-se que a educação de uma criança não é prejudicada pelo fato de seus pais serem do mesmo sexo.

Sem este argumento, fica inviável a defesa da segregação dos casais homossexuais. No entanto é muito díficil que um cristão de uma congregação muito conservadora admita isso, pois mesmo que ele esteja convencido, ele precisaria esconder sua opinião, pois seria alvo de reprimendas dentro de seu círculo social.